Nilda Jacks, agosto de 2025
O CAMINHO É O LUGAR
Claudia Flores apresenta nesta exposição a figura humana inserida em paisagens, muitas vezes abstratas, compostas de manchas e formas que contextualizam as figuras, dando continuidade a pinturas exploratórias anteriores.
Sua prática parte de imagens variadas (fotos, livros, mapas, entre outras), registros que alimentam ao mesmo tempo um processo indutivo e abdutivo, marcados por deslocamentos e atravessamentos que poderíamos chamar de metonímicos, no primeiro caso, e intuitivos, no segundo. Durante o processo, a observação de outras imagens, além daquelas de referência para a realização de um trabalho específico, é contínua, resultando na incorporação de novos elementos na narrativa do trabalho.
Esse processo materializa-se tanto na técnica quanto nos procedimentos. Através da monotipia, por exemplo, a artista cria algumas “matrizes” que, uma vez “carimbadas” em outros suportes são ponto de partida para a produção de outros trabalhos da série em execução. Claudia parte dessas marcas/manchas e por vezes volta às suas referências iniciais – as imagens ou observações do seu entorno – para então prosseguir no seu fazer artístico, sempre levada pela intuição e a experimentação.
Outra maneira de plasmar seus temas e formas é valendo-se da lógica do palimpsesto, ou seja, o desvelamento de camadas superpostas de tintas através de lavagem subsequentes, até que componham indutivamente algum cenário ou figura.
O resultado final são imagens evanescentes e atmosferas oníricas, as quais resgatam suas memórias, e porque não dizer seu subconsciente, dada sua maneira de trabalhar.
Mayra Martins Redin, fevereiro de 2021
IMAGENS DO DEVANEIO
“Devagar, não importa, todos os momentos vivem. Assim como todos os momentos constroem o mundo. Assim como a sola do pé, as costas, seja lá o que for, tudo se une e constrói o mundo. É melhor se mover lentamente.” (Kazuo Ohno)
Nos trabalhos que compõem a exposição “Imagens do devaneio” vemos acontecer um exercício de transposição. As fotografias de infância encontradas pela artista (em arquivo pessoal e também em buscas na internet) passam por um processo de tradução para a pintura em que adquirem uma sutil movimentação. Talvez como, numa água parada, que, ao ser mexida por um pequeno galho, se torne turva, dela emergindo elementos adormecidos como a lama, a terra, as folhas, as pinturas aqui apresentadas almejam retirar do torpor aquelas imagens já acomodadas que temos da infância.
Nesta transposição da imagem fotográfica para a pintura, encontraremos figuras que ali estão entre uma pose e um gesto, inseridas em um ambiente, em uma paisagem, em uma atmosfera criada pela artista. Os rostos não importam tanto, já que os corpos com suas ações e em sua falta de nitidez movimentam aquilo que antes parecia ser uma imagem precisa e cristalizada pelo recurso fotográfico.
Nesta exposição, importam mais os ruídos dessa movimentação vagarosa; e, da mesma forma como nossa memória pode ser acessada e ativada a partir de outros elementos para além de uma imagem, como um cheiro, uma sensação corporal (quente, fria, morna), um sabor, a construção de uma ambiência na composição do fundo e dos arredores das figuras também é parte importante desta elaboração do que será entendido como devaneio.
Misturam-se aqui as infâncias e seus devaneios acessados pela memória. Em sua busca por provocar e borrar tais limites, esta exposição nos convida a mergulhar também em um para-além do que a imagem nos oferece. Se adiantássemos ou atrasássemos alguns segundos uma cena qualquer de nossa memória, o que encontraríamos lá?
As pinturas parecem aumentar algumas memórias de infância (inicialmente clichês) com gestos expressados por suas figuras humanas. São corpos que revivem alguns recortes de tempo firmados pela fotografia alimentando-os com movimentos.
Mas não se trata de qualquer movimento: é um movimento quase parado que lembra mesmo a retomada de algo perdido ou deixado para trás, oferecendo-lhe a possibilidade de se mexer, pouco, devagar, sem a obrigação e talvez até contra a obrigação de se manter fiel à cena inicial, presa por uma memória. Nesta direção, a artista em seu processo procura também respeitar seus próprios gestos de começo, tentando não sobrepor muitas camadas nem cair na armadilha de achar uma finalização ou um contorno nítido para as pinturas.
É assim que estas imagens reestabelecem e convidam o espectador para um estado de imersão que é comum às crianças. Aparentemente, elas nada fazem quando param para observar algo. Mas a tentativa aqui, traduzida por uma ideia de devaneio, é dar lugar ao movimento, mínimo, sutil e, muitas vezes, invisível, escondido em nossas memórias da infância.